Correr, saltar, brincar. É isto que querem as crianças do pré-escolar

É a porta de entrada no sistema de ensino, ainda sem matérias para estudar. É tempo de perguntar, experimentar, descobrir o mundo. Liberdade para escolher e crescer sem pressas.

 

É uma fase de descoberta, de começar a caminhar pelos próprios pés, perguntar e perguntar vezes sem conta, satisfazer a curiosidade. Brincar, correr, saltar, jogar, experimentar, imaginar, aprender com o que se passa à volta. No pré-escolar, absorve-se o mundo com todos os sentidos em alerta. Meninos e meninas, dos três aos cinco anos, curiosos por natureza, começam a entender o que os rodeia antes do início do tradicional percurso escolar.
Querem saber tudo. Porque assim, porque assado. Mexer, tocar, experimentar, jogar, explorar. Brincar. Brincar sempre, vezes sem conta. Todos os dias. É uma etapa importante do crescimento, desenvolvem a linguagem, as emoções, a cognição. Com desafios constantes que fazem parte do desenvolvimento. Ouvir histórias, saltar à corda, observar ilustrações, usar lápis de cor, jogar à bola, ver filmes, ouvir música, cantar, dançar, brincar com diversos materiais, ora mais flexíveis, ora mais rígidos. Ampliar a curiosidade, esticar capacidades. Crescer, sobretudo crescer.
No jardim de infância não há metas curriculares, nem aquela pressão do sucesso escolar. Privilegia-se o que se vive em cada momento, cada aprendizagem. Aprende-se a aprender. Usa-se a palavra educação e não ensino, não há professores, mas sim educadores, não há aulas, há atividades. Motiva-se, facilitam-se experiências, preparam-se os mais novos para novas etapas. A educação pré-escolar facilita a entrada no 1.º Ciclo do Ensino Básico. Os mais pequenos adquirem competências de socialização essenciais para trabalhar com os outros.
Mas, atenção, muita atenção, nunca esquecer as brincadeiras e todas as suas virtudes. Brincar é um fim em si mesmo. Carlos Neto, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, um dos maiores especialistas na área da brincadeira e do jogo, tem vindo a destacar elementos importantes da infância, dos primeiros anos de vida. “Brincar é, para a criança, uma atividade de exploração do seu envolvimento físico e social, procurando sempre que possível descobrir, e repleta de curiosidade de colocar o seu corpo face a situações adversas e de risco controlado. O contacto com a Natureza e a capacidade de confronto com o risco são também experiências fundamentais na estruturação de uma cultura lúdica infantil”, escreve no seu livro “Libertem as crianças”. Brincar, em diversos contextos de vida, é, sublinha, “essencial para o desenvolvimento da capacidade adaptativa, criativa e de resiliência.”
Na educação pré-escolar, desenvolvem-se expressões, o pensamento crítico, a comunicação. Há um mundo de possibilidades. “É objetivo da educação pré-escolar preparar a criança e potencializar as suas capacidades cognitivas, emocionais e comportamentais, prevenindo o insucesso no ingresso no 1.º Ciclo”, escreve Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica infantojuvenil, no seu livro “A psicóloga dos miúdos.”
“Estas capacidades incluem os conhecimentos, ainda que muito elementares, de preparação para a aprendizagem da leitura, escrita ou cálculo, mas as fundamentais relacionam-se com o repertório necessário de preparação da criança para a aprendizagem: saber dirigir e manter a atenção, conhecer e adotar as regras necessárias em sala de aula, ser persistente, ter curiosidade pela aprendizagem, acreditar que é capaz, ser capaz de se controlar e ter a capacidade de escuta, memória, resiliência e tolerância à frustração”, acrescenta.
As crianças comunicam umas com as outras, com os adultos, com os educadores, com os pais, com o mundo ao redor. E querem saltar, correr, brincar, jogar. Na infância, principalmente nesta fase, há vontade de testar limites em relação ao corpo e ao espaço. Carlos Neto não tem dúvidas. “Através do brincar, as crianças vão ensaiando progressivamente experiências novas e mais complexas quanto ao nível de risco, de acordo com o desenvolvimento da sua maturidade motora e cognitiva”, escreve no seu livro.
As crianças querem ser crianças com tudo de bom que isso tem. Saltar, correr, cair, tropeçar, levantar, voltar a cair, esfolar os joelhos, sujar as mãos. “Os comportamentos de risco através do brincar permitem à criança ganhar maior segurança e autonomia, e estão relacionados com a sobrevivência, o confronto com a adversidade, a capacidade adaptativa, a superação e os limites de diversas formas de ação”, sublinha Carlos Neto.

Os mais pequenos sonham, sonham muito, sonham constantemente. E não gostam de estar quietos. “Valorizamos uma escola humanizada, democrática e livre, em que cada sujeito possa buscar o conhecimento por conta própria e produzir algo de novo, ‘fora da caixa’. É necessário pensar nos talentos que a escola desperdiça ao não acreditar nos sonhos, desejos e motivações mais profundos que as crianças transportam dentro de si”, escreve o professor catedrático.


O elogio nas crianças

Como qualquer ferramenta, o elogio só é poderoso se for bem utilizado, sendo a sua banalização contraproducente. Não vamos contribuir para o aumento da autoestima elogiando tudo o que a criança faz, pois ela própria vai perceber que há elogios ocos e frívolos. O elogio deve surgir na sequência de comportamentos, tarefas e atitudes muito concretas, que efetivamente sejam dignas de reforço.

O elogio é uma importante ferramenta em termos educativos. Quanto a isto, penso que não restarão quaisquer dúvidas, nem será necessário elencar os muitos estudos que o comprovam. Note-se, no entanto, que esta certeza colide com a nossa bem enraizada crença cultural de que, se está bem feito, nada há a dizer, uma vez que fazer bem é a nossa obrigação.

Como qualquer ferramenta, o elogio só é poderoso se for bem utilizado, sendo a sua banalização contraproducente. Não vamos contribuir para o aumento da autoestima elogiando tudo o que a criança faz, pois ela própria vai perceber que há elogios ocos e frívolos. O elogio deve surgir na sequência de comportamentos, tarefas e atitudes muito concretas, que efetivamente sejam dignas de reforço. “Que bonita que tu és!”, “És mesmo muito inteligente”, “Que olhos maravilhosos” são exemplos de elogios superficiais, que se enquadram na tendência atual e que não promovem o crescimento de adultos resistentes à frustração e emocionalmente equilibrados. O Facebook ilustra bem esta realidade, na medida em que apela constantemente ao “like”. Quantos adultos se expõem de uma forma verdadeiramente espantosa em troca de um “gosto”? Recentemente, as pernas de uma professora universitária eram elogiadas pelos seus alunos (“Que belas pernas, professora!”), a propósito de uma foto que ela própria publicara, em que desfilava na praia em biquíni, na companhia das filhas. Não consigo deixar de olhar para esta exposição pública com perplexidade e tenho andado a procurar sentido para esta necessidade de receber reconhecimento, na sequência da divulgação de acontecimentos, frequentemente do foro íntimo e privado. Depois deste desvio, que conscientemente não programei, volto ao tema inicial, o elogio infantil.

Sempre que a criança realize uma determinada tarefa com sucesso é importante valorizar e elogiar o esforço e o investimento por ela despendidos e não a sua inteligência. Estudos realizados mostram que, quando a criança é elogiada pela sua inteligência, pode ter receio em aceitar novos desafios, com medo de errar, temendo que esse erro altere a perceção que os adultos têm acerca dela. As crianças que são valorizadas pelo esforço são mais persistentes na realização das tarefas, têm autoestima e autoconfiança mais elevadas, estabelecem mais facilmente relações com os pares e têm maior facilidade na aprendizagem escolar.

Para concluir, diria que, apesar de ser perfeitamente compreensível que crianças e adultos caiam na tentação do Calvin, na verdade o elogio só é poderoso se surgir na sequência de uma conquista obtida com empenho, dedicação e envolvimento pessoal.


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O ciume entre irmãos

O ciúme é um sentimento complexo, habitualmente presente na relação entre irmãos.

 

O nascimento de um bebé causa um forte impacto no irmão primogénito, que tem de aprender a partilhar a atenção dos pais, da qual, até então, usufruía com exclusividade. É importante que os pais identifiquem precocemente o problema e atuem de forma a dar à criança a segurança afetiva que ela precisa. A integração da criança nos preparativos e nas rotinas do recém-nascido é um meio mais eficaz de reprimir o ciúme, já que ela se sente importante e necessária nessas tarefas.
Já em 1920, Freud sublinhava que “não há provavelmente nenhuma casa sem conflitos violentos entre os seus habitantes mais pequenos, seja pela rivalidade, pelo amor dos pais, competição por objetos comuns, ou mesmo pelo espaço físico do lugar que ocupam”.
Entre os 2 e os 6 anos, as relações com os irmãos constituem, mais do que em qualquer outra idade, a parte mais importante do meio social da criança. É nestas idades que geralmente nasce um irmão, um momento muito importante na vida de uma criança e que altera todo o seu pequeno universo. O ciúme é uma reação normal ao afastamento provocado pela chegada inexplicável de um “intruso”, pois este passará a compartilhar com a criança o amor e a atenção dos pais.
A reação da criança vai depender da sua idade aquando o nascimento do irmão;
• 18-24 meses – a criança tem muita dificuldade em compreender e aceitar a chegada de um irmão, pois está a viver uma fase em que descobre o medo da separação da mãe e, mais tarde, a crise de oposição e do negativismo sistemático.
• 3 anos – a adaptação também pode ser difícil pois pode coincidir com a entrada no jardim de infância e as reações negativas à presença do irmão podem ser confundidas com a má adaptação escolar.
• 4-5 anos – a adaptação à chegada de um irmão é mais fácil pois a criança compreende o que se está a passar à sua volta e já é capaz de tomar conta de si.
• > 6 anos – a chegada de um irmão habitualmente é encarada de forma positiva, assumindo mesmo o papel de irmão mais velho.
O modo como a criança manifesta e exterioriza o ciúme é muito variável, dependendo da idade da criança e das reações dos pais. O comportamento regressivo é a forma mais comum e caracteriza-se pela retoma de comportamentos que já tinham sido abandonados, como a regressão na linguagem, voltar a querer o biberão/chupeta, enurese noturna, entre outras. No entanto, a exigência constante de atenção, ou pelo contrário, mau comportamento sistemático para chamar a si as atenções, pode ser um modo de manifestação.
A criança pode até ter atitudes de hostilidade dirigidas ao irmão ou à mãe. Uma outra forma de reagir é a atenção e preocupação constantes com o irmão, rodeando a mãe e o bebé de cuidados excessivos, com o desejo de agradar e recuperar o “amor perdido” da mãe. É nesta altura que a criança se questiona constantemente sobre: “Se os meus pais me amam, porque querem outro filho?”, “Vou continuar a ser admirado?”, “Será que vão continuar a gostar de mim?”.
O ciúme revela-se do irmão mais velho pelo mais novo, pois é o irmão mais velho o único que conheceu uma realidade em que o irmão não estava presente e tem a perder com a sua chegada. O mais novo sempre viveu na presença do mais velho e geralmente tem sentimentos positivos tendo-o como objeto de imitação e mentalmente identificando-se com ele.
Tal não se passa com gémeos, pois como nasceram ao mesmo tempo, não conhecem a vida um sem o outro. Habitualmente têm o mesmo desenvolvimento, não apresentando diferenças significativas ao nível da força física, mental ou experiência adquirida. Nesta situação em particular, em regra, o ciúme não existe pois os pais geralmente adotam um comportamento semelhante para os dois.
A atitude dos pais é determinante, pois o modo como tratam cada filho poderá estar na origem das relações conflituosas – a base de toda esta rivalidade/hostilidade assenta no desejo de a criança ter o amor dos pais.
À medida que o tempo vai passando e o irmão mais novo cresce, o mais velho assume o papel de “irmão mais velho”. É nesta altura que a atitude dos pais é fundamental, pois, se demonstrarem compreensão e atitudes positivas, a criança supera o ciúme inicial, caso contrário, pode gerar-se um ciclo vicioso e “traumatizante” para a criança.
Para se estabelecerem relações adequadas entre irmãos e para prevenir o ciúme entre eles, há algumas recomendações a ter em conta:
1) A criança deve contar com mais do que um adulto para lhe proporcionar a segurança e atenção desejáveis (mãe e pai), de forma a tornar-se mais fácil superar o ciúme e não se sentir abandonada com a chegada do irmão.
2) Deve evitar-se que o nascimento de um irmão coincida com outras mudanças importantes na vida da criança (por exemplo, a entrada no infantário). Após o nascimento do bebé, não se deve reduzir a quantidade, nem a qualidade da atenção, que a mãe e o pai dispensam à criança mais velha, tentando manter a rotina anterior ao nascimento do irmão.
3) Ajudar o irmão mais velho a assumir o novo papel, ressalvando a sua importância, e prevenindo o ciúme que aparece com frequência quando a mãe ou o pai estão absorvidos no cuidado do bebé. Convém estimular a sua participação nesses cuidados, de forma que o filho se sinta importante e prestável.
4) Evitar comparações, bem como a distribuição de papéis entre irmãos. Os pais devem colocar em evidência os progressos de cada criança e as suas qualidades em diferentes áreas, sobretudo nas atividades que constituem as suas especializações, e sempre tomando a própria criança como referência. Pretende-se com isto valorizar o seu progresso em determinada situação, aumentando a sua autoestima.
O amor de uma criança pelos seus pais é extremamente intenso e incondicional, portanto, há o desejo da exclusividade. O sentimento de ciúme deve ser encarado de forma natural. É próprio do ser humano… Se os pais fizerem um esforço contínuo para ajudar os seus filhos nas suas angústias, as crianças terão oportunidade de aprender, a cada dia, a adaptar-se às novidades e a abrir mão do egocentrismo próprio da primeira infância.
É muito importante que os pais estejam em sintonia com os sentimentos das crianças e as ajudar a manifestar-se.
Sandra Costa, com a colaboração de Iris Maia, Pediatra do Hospital de São Marcos de Braga